terça-feira, 24 de abril de 2012

Geração Concurso Público





Rodrigo Constantino, para a revista VOTO



“Aqueles que desistiriam da liberdade essencial para comprar um pouco de segurança temporária não merecem nem liberdade nem segurança.” (Benjamin Franklin)



Uma parcela cada vez maior dos brasileiros, especialmente da classe média, sonha com uma vaga no setor público. São milhares e milhares de pessoas estudando duro e fazendo cursinhos para disputar as vagas nos concursos para empregos em órgãos estatais. Pretendo expor basicamente dois pontos de vista sobre este fenômeno: 1) a decisão no âmbito individual parece perfeitamente racional; 2) quando afastamos a lupa e obtemos um campo de visão mais amplo, esta tendência parece altamente preocupante.


Sobre o primeiro aspecto, a escolha parece racional porque, de fato, o setor público tem oferecido as melhores vantagens no mercado de trabalho, de forma geral. Há a tão sonhada estabilidade no emprego, algo que muitos valorizam mais até do que o prazer naquilo que toma boa parte do dia, que é seu trabalho. E os salários, na média, são maiores do que no setor privado. Isso sem falar dos vários privilégios, como aposentadorias maiores e diversos auxílios, dependendo da profissão.


Vamos dedicar um pouco mais de tempo ao aspecto da adorada estabilidade no cargo. É fato que nem todos nasceram para uma vida mais arriscada, ousada, com aventuras e desafios em busca de sonhos e desejos. Muitos, de perfil mais acanhado, tímido e com forte aversão ao risco, acabam preferindo a segurança na rotina, na certeza de que o amanhã será a repetição do hoje, com seu emprego garantido sem muitas novidades. Para estas pessoas, a obediência estreita às regras definidas a priori é o que mais conforto traz.

Pessoas com este perfil se encaixam perfeitamente na burocracia estatal. Os trabalhos burocráticos demandam execução semi-automática, ou seja, valoriza mais a obediência que a inovação. Não há muito espaço para a criatividade. Por isso mesmo, os trabalhos burocráticos acabam sendo também medíocres, por não incentivarem a ousadia e a paixão pelo novo. Claro que nem todos os serviços públicos são desta natureza, mas é evidente que muitos – talvez a grande maioria – o são.


O outro aspecto que atrai muitos candidatos é o salário. De fato, para os poucos que se sobressaem na iniciativa privada, a recompensa costuma ser bem maior. Mas, na média, o salário público, especialmente se acrescido das inúmeras vantagens, tende a ser maior. A estatística nacional colocava, da última vez que vi, o salário médio do setor público como mais de duas vezes acima daquele do setor privado. Este sofre, não custa lembrar, justamente pelo excesso de obstáculos criados pelo governo, tais como altos tributos, encargos trabalhistas e a própria burocracia, além da baixa produtividade fruto da péssima educação.


Tendo conhecimento dos fatos acima, fica mais fácil compreender porque tantos brasileiros querem uma disputada vaga de concurso público. Os cursos preparatórios se espalharam como vírus, e estudantes determinados, com notas excelentes, dedicam-se horas diárias à leitura de vários livros. A principal habilidade que diferencia os vencedores dos demais não é necessariamente a inteligência, muito menos a capacidade criativa e inovadora, mas sim a memória. Aquele que decorar calhamaços de dados com mais facilidade tem maiores chances de passar. Um robô levaria todas em primeiro lugar!

Ora, mas qual o problema disso? Eis que chegamos no segundo ponto: a visão holística da coisa. O leitor provavelmente já entendeu que, para a sociedade como um todo, quanto maior for a parcela de trabalhos burocráticos, pior será o resultado geral. O motivo é evidente: a burocracia excessiva asfixia a criação, força-motora essencial à prosperidade. Claro que algumas funções terão que ser executadas pela burocracia estatal. Quase ninguém defenderia uma polícia privada com foco no lucro, por exemplo, ou então um sistema de justiça totalmente privado (câmaras de arbitragem, porém, fazem todo sentido).


Logo, certas tarefas cabem naturalmente ao estado, e o método será burocrático, ou seja, sem um mecanismo de precificação do resultado (i.e., o lucro). Mas o ideal para a sociedade como um todo é que tais tarefas sejam bastante restritas ao básico necessário. Mais que isso começa a prejudicar o dinamismo da economia, sem falar da perda das liberdades individuais (a tendência do burocrata é expandir seus tentáculos e poder, para garantir mais verbas ao seu gabinete).


No setor privado, por outro lado, a meritocracia representará o melhor incentivo à eficiência. Os piores são punidos no mercado, e os melhores recolhem as recompensas do bom serviço prestado. O processo dinâmico de tentativa e erro permite que os mais inovadores e criativos conquistem espaço vis-à-vis os mais obsoletos. A “destruição criadora” de que falava Schumpeter pode então funcionar com liberdade para garantir o progresso. Alguém consegue pensar em uma repartição pública entregando ao mundo um iPad?


Quando compreendemos isso tudo, salta aos olhos a preocupação com a crescente tendência dos jovens em buscar a estabilidade no setor público. Um país com inchaço estatal é um país engessado, sem dinamismo econômico, e com as liberdades ameaçadas.

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